Hoje me peguei arrepiado. Seguinte: estava numa reunião de professores numa ONG no Rio de Janeiro onde estou trabalhando (como professor de Memória e Vídeo). Nesta reunião, os professores apresentaram seus planejamentos para os meses de agosto e setembro. A ONG promove ações em duas áreas que ficam próximas a duas favelas: a da Mangueira (no bairro Mangueira) e a do Morro dos Macacos (no bairro Vila Isabel). Ainda não sei muito sobre estes espaços, mas o fato é que hoje - ao ouvir vários relatos e opiniões sobre as intervenções das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) - um arrepio me tomou conta do corpo.
A Unidade de Polícia Pacificadora é um novo modelo de Segurança Pública e de policiamento que promove a aproximação entre a população e a polícia, aliada ao fortalecimento de políticas sociais nas comunidades.
Não sei ao certo explicar. Mas um pouco do que foi falado girou em torno da presença das tais Unidades da Polícia que foram vendidas como uma coisa e se apresentam, hoje, como outra. De acordo com a fala de uma mulher presente na reunião (e também moradora da Mangueira), a proposta era a de trazer - junto com a UPP - também uma série de outros serviços para a comunidade que nunca apareceram de fato. Quer dizer: todas as maneiras de se trazer cidadania e políticas públicas consistentes foram trocadas pela presença policial. É de fato uma diferença e tanto.
O medo, a insegurança e a sensação de despertencimento a uma comunidade que sempre foi a sua é um dado cada vez mais real e predominante. Isso se manifesta, por exemplo, na truculência que venho experimentando em sala de aula por parte dos alunos (crianças da comunidade). Há uma reprodução de violência e uma tentativa (desesperada) de se fazer forte e capaz de lidar com tudo. A isso que chamo de truculência é possível encontrar uma fiel analogia também na ação da polícia (que opera solitária sobre suas próprias regras, trazendo à comunidade uma forte repressão e imposição de valores e normas).
Não há generalizações aqui. Nada escrito pressupõe-se verdade universal e inabalável. Mas é apenas como as coisas me parecem (e sim, por vezes, eles parecem todas iguais).
Escrevi arrepio porque por um segundo, ao expor minhas opiniões, acabei falando o seguinte: que tal política pública - a da implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) - acabava por lacras em áreas marginais (e sem assistência governamental, por vezes em quesitos básicos como saneamento…) a guerra civil que, antes, acontecia em toda a cidade. Disse também que as UPPs me soavam mais um projeto para fora - propaganda - do que uma ação constitutiva da civilidade carioca. Ao invés de se buscar práticas e possíveis soluções para a guerra do tráfico, lacrou-se a guerra num reduto ainda menor que a cidade (alguns bairros, muitas favelas). Em resumo, disse sem querer dizer, que isso a qualquer momento ia explodir.
E uma presente (outra mulher da comunidade) afirmou que isso ia explodir sim, porém, apenas após a Copa do Mundo e as Olimpíadas, visto que até lá a presença das UPPs tinha sentido (quer fosse mais sentido para a maquiagem da cidade Rio de Janeiro do que para as ações votladas às comunidades).
Fiquei arrepiado, como disse. Muito. Meus pelos subiram e enrijecidos ficaram (durante um tempo). Mexi nos cabelos, virei os olhos e tentei encontrar alguma possível saída. Como educar as crianças para a lida com a truculência diária? Como não ensiná-las a devolver tiro quando aquilo que lhes é apontado são mais e mais armas? Um desespero sim. Meus pelos subiram por medo e desespero. Mas, no íntimo, uma ira tão grande. Uma dor ora com cheiro de raixa ora fedendo a injustiça. Eu não soube o que fazer. Eu pensei sobre o nosso país, sobre a cidade, sobre ser tão pequeno e ao mesmo tempo consciente dessa merda toda.
Eu fui embora. Eu, desde que cheguei em casa, não consegui trabalhar. No entanto, agora, pensando sobre o dessassossego, coloquei-me a escrever. Porque uma primeira cena já me veio. Mas optei por deixá-la passar. Vou ficar com os arrepios. Vou ficar arrepiado. Deixar enrijecer não somente os pelos, mas também os cabelos, os neurônios. Quero que meu corpo inteiro fique perturbado com a injustiça do homem sobre si mesmo. Eu ainda aguento, ao mesmo tempo em que não aguento mais.
Como fazer? Fazer diferente.
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