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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

para chegar mais perto

hoje eu começo a ministrar a oficina negociação invisível, criada a partir do processo do espetáculo sinfonia sonho. a oficina acontecerá durante apenas três dias, junto à temporada do espetáculo no gláucio gill. porém, estudando e tramando como seria a coisa toda, cheguei a uma conclusão, que é: não faz sentido ministrar algo sem a vivência do caminho, do processo, da tentativa (real sobre alguma coisa). assim, de súbito, achei que faria sentido me jogar - junto aos participantes - rumo à criação de algum material que pudesse partir do processo de sinfonia sonho mas que não tivesse a ver com a peça.

eis que redigi uma pequena dramaturgia de dez páginas chamada jogos de presença para atores e não atores. são dez trechos de diálogos, solilóquios e situações que foram criadas a partir de todas as postagens até então feitas neste blog. a ideia não é escrever concreto armado. mas brincar, se gastar sobre alguns pontos que vão se firmando ou mesmo se perdendo. é um pretexto para agir tentativas vigorosas. é um jogo para encontrar e tramar possibilidades.


segue um trecho:
dez 
giz.
luz de giz. 
som de giz. 
ar sufocado de giz. 
t – não há nada mais sujo, mais injusto, mais escroto do que encher a barriga à custa da burrice do outro. as minhas mãos! nada mais doloroso do que ver a cegueira alheia e sentir pena de si próprio por ainda se achar lúcido. sujeira. nas minhas mãos! até agora eu não conhecia nada tão obscuro, maldoso, tão perdidamente escroto. nada tão tremendamente horrível, eu não conhecia nada tão sem palavras para dar conta dessa escuridão desse abismo desse monstro que nasce e cresce e só come e só vira mais monstro, mais rombo mais brusco mais risco quina sangue e abuso. mais usura. mais acne. mais suor e sono. mais tv e panetone. mais medo. mais nojo. as minhas mãos! eles sabem que eu sei! eles sabem que podem seguir se usando da burrice alheia. e da minha! e sabem que eu sei que a burrice só cresce. e que, no entanto, eu sou paga para diminuir isso que eles alimentam mais e mais a cada dia. 
asfixia. 
t – a burrice é a cama onde eles deitam os pés sujos todos os dias. quanto mais, melhor. quanto mais burro, melhor. melhor. quanto mais burro for seu povo, mais nobre será a sua falsa preocupação em cuidar do futuro. que não virá. que não veio. e, no entanto, nos tapeiam. fazendo de mim alguém contratada para atingir o impossível. querendo que eu crie em sala de aula seres capazes de lidar com o cinismo. 
febre. e delírio. 
t – e se eu fizer um exército? e se eu formar assassinos? ao invés de crianças? ao invés de alunos? serei presa ou serei justa? serei errada ou brilhante? eu sigo suja, sabendo da nojeira e ensinando estrelas. confiando na poesia quando vejo nas esquinas, as minhas crianças perdendo seus narizes e cabeças! eu tentando dar conta daquilo que já me disseram que não vai ser possível! como pode, meu deus?! como eu pude um dia ter me servido a isso? quando foi? que abri os olhos nessa envergadura que já não posso mais fechá-los? como pude ver meus sonhos – tão sinceros – virarem mentiras? as minhas mãos! tremem tentadas à truculência. eu quero premer. quero apertar e romper. quero, se possível, hoje, fazer pacto com o demônio para que ele me impulsione ao extermínio daqueles que querem me exterminar com doçura fingida.

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