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quarta-feira, 18 de julho de 2012

Arrepio

Hoje me peguei arrepiado. Seguinte: estava numa reunião de professores numa ONG no Rio de Janeiro onde estou trabalhando (como professor de Memória e Vídeo). Nesta reunião, os professores apresentaram seus planejamentos para os meses de agosto e setembro. A ONG promove ações em duas áreas que ficam próximas a duas favelas: a da Mangueira (no bairro Mangueira) e a do Morro dos Macacos (no bairro Vila Isabel). Ainda não sei muito sobre estes espaços, mas o fato é que hoje - ao ouvir vários relatos e opiniões sobre as intervenções das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) - um arrepio me tomou conta do corpo.

A Unidade de Polícia Pacificadora é um novo modelo de Segurança Pública e de policiamento que promove a aproximação entre a população e a polícia, aliada ao fortalecimento de políticas sociais nas comunidades.

[http://upprj.com/wp/?page_id=20]

Não sei ao certo explicar. Mas um pouco do que foi falado girou em torno da presença das tais Unidades da Polícia que foram vendidas como uma coisa e se apresentam, hoje, como outra. De acordo com a fala de uma mulher presente na reunião (e também moradora da Mangueira), a proposta era a de trazer - junto com a UPP - também uma série de outros serviços para a comunidade que nunca apareceram de fato. Quer dizer: todas as maneiras de se trazer cidadania e políticas públicas consistentes foram trocadas pela presença policial. É de fato uma diferença e tanto.

O medo, a insegurança e a sensação de despertencimento a uma comunidade que sempre foi a sua é um dado cada vez mais real e predominante. Isso se manifesta, por exemplo, na truculência que venho experimentando em sala de aula por parte dos alunos (crianças da comunidade). Há uma reprodução de violência e uma tentativa (desesperada) de se fazer forte e capaz de lidar com tudo. A isso que chamo de truculência é possível encontrar uma fiel analogia também na ação da polícia (que opera solitária sobre suas próprias regras, trazendo à comunidade uma forte repressão e imposição de valores e normas).

Não há generalizações aqui. Nada escrito pressupõe-se verdade universal e inabalável. Mas é apenas como as coisas me parecem (e sim, por vezes, eles parecem todas iguais).

Escrevi arrepio porque por um segundo, ao expor minhas opiniões, acabei falando o seguinte: que tal política pública - a da implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) - acabava por lacras em áreas marginais (e sem assistência governamental, por vezes em quesitos básicos como saneamento…) a guerra civil que, antes, acontecia em toda a cidade. Disse também que as UPPs me soavam mais um projeto para fora - propaganda - do que uma ação constitutiva da civilidade carioca. Ao invés de se buscar práticas e possíveis soluções para a guerra do tráfico, lacrou-se a guerra num reduto ainda menor que a cidade (alguns bairros, muitas favelas). Em resumo, disse sem querer dizer, que isso a qualquer momento ia explodir.

E uma presente (outra mulher da comunidade) afirmou que isso ia explodir sim, porém, apenas após a Copa do Mundo e as Olimpíadas, visto que até lá a presença das UPPs tinha sentido (quer fosse mais sentido para a maquiagem da cidade Rio de Janeiro do que para as ações votladas às comunidades).

Fiquei arrepiado, como disse. Muito. Meus pelos subiram e enrijecidos ficaram (durante um tempo). Mexi nos cabelos, virei os olhos e tentei encontrar alguma possível saída. Como educar as crianças para a lida com a truculência diária? Como não ensiná-las a devolver tiro quando aquilo que lhes é apontado são mais e mais armas? Um desespero sim. Meus pelos subiram por medo e desespero. Mas, no íntimo, uma ira tão grande. Uma dor ora com cheiro de raixa ora fedendo a injustiça. Eu não soube o que fazer. Eu pensei sobre o nosso país, sobre a cidade, sobre ser tão pequeno e ao mesmo tempo consciente dessa merda toda.

Eu fui embora. Eu, desde que cheguei em casa, não consegui trabalhar. No entanto, agora, pensando sobre o dessassossego, coloquei-me a escrever. Porque uma primeira cena já me veio. Mas optei por deixá-la passar. Vou ficar com os arrepios. Vou ficar arrepiado. Deixar enrijecer não somente os pelos, mas também os cabelos, os neurônios. Quero que meu corpo inteiro fique perturbado com a injustiça do homem sobre si mesmo. Eu ainda aguento, ao mesmo tempo em que não aguento mais.

Como fazer? Fazer diferente.

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