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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Meu trabalho é a arma do manifestante, aponta Latuff

fonte: http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=143329


JC – Depois, os manifestantes foram divididos entre os bons manifestantes, os black blocks e os saqueadores – oriundos das favelas. A periferia acabou rechaçada?

Latuff 
– Se as manifestações não forem hábeis em trazer essa militância da favela, não vão adiante. O segmento mais massacrado e vitimado por esse sistema em que as pessoas vão para a rua combater é o das favelas. A imprensa tem um tratamento específico quando a manifestação é na favela: “é manifestação controlada pelo tráfico”. Claro que tem dois tipos de manifestantes: o bom e o mau. Quando o manifestante vai para a rua, queima pneu, tranca a via, desce a favela e o morro, vira carro, “é o tráfico que está junto”. E existe o manifestante “coxinha” da favela, que é do Viva Rio, Afroreggae e Cufa. Esse ativista, que é correio de transmissão das políticas do Estado, é o bom ativista. Não se pode imaginar um processo de transformação que não tenha a favela. Costumo sempre dizer: “no asfalto a bala é de borracha, na favela é de chumbo”. As favelas são territórios de exclusão muito especiais. Estive em várias, fiz ensaios fotográficos. Um em particular é a essência desse processo da chamada guerra contra as drogas. Em Acari, ia andando e tinha buracos, rombos pelo chão, no concreto. Me falaram que aquilo era tiro do helicóptero, jogado de cima. A polícia do Rio de Janeiro tem uma arma igual ao que o Exército norte-americano usou no Vietnã. 

JC – Porque a militância da favela não cresce?

Latuff
 – Tem três coisas que impedem de avançar. Uma é o tráfico. Porque o tráfico, no momento em que ele tiver que escolher entre o manifestante e o Estado, ele vai topar o Estado. O traficante não é um revolucionário, é um comerciante e só existe por força do Estado. Ele não é um revolucionário de esquerda. As armas que chegam na mão dele, a droga, não é um avião que joga de cima com um paraquedas. O segundo são as igrejas evangélicas. Na favela tem igreja evangélica em cada buraco e ela está ali para formar cordeiros que abaixam a cabeça. O terceiro são as ONGs, que estão lá também para formar neguinhos dóceis. Negros e favelados dóceis que acreditam que um dia, se trabalharem muito, chegarão lá. É por isso que existe uma tensão tão grande na favela. Porque o establishment sabe que as favelas são bolsões de revolta social.

JC – A ideologia da nova classe média contribui para isso? Ela individualiza o problema que é social?

Latuff
 – Este regime que a gente vive trabalha com a sensação. Você tem sensação de democracia, sensação de cidadania, mas não existe. Claro, evidente que o pobre tem direitos de comprar bens de consumo, é bom que ele tenha essa possibilidade, ninguém discute isso. Mas o que define a cidadania não é o fato de comprar um celular novo, é o de ter serviços públicos de qualidade. Afinal de contas, estes favelados também pagam impostos e têm os mesmos direitos. Mas o regime capitalista funciona pela exclusão. Não posso cobrar do regime capitalista que ele seja includente. Ele é excludente por natureza, trabalha com o regime de classes. Tem que ter uma classe que gasta e outra que banca o gasto. Uma classe que é patrão e outra que é empregado. Não adianta tentar mudar o capitalismo. Não dá. É preciso dizer isso claramente. Não é reforma que a gente precisa é de uma mudança.